segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O Nazismo de todos nós


Santiago

No dia da entrega do Oscar em terras californianas, o Cineclube Zumbis abriu, aqui, com chave de ouro, sua temporada 2011 de cinema, com o filme A Onda (Die WelleI, Alemanha, 2008), indicado e debatido, no domingo, 27 de fevereiro, pelo professor de Matemática Raul Abreu de Assis.
A Onda conta a história do professor Rainer Wenger, que, para ensinar a história do nazismo, simula um movimento fascista com os alunos, que foge do controle e interfere na vida dos envolvidos. Sob a história aparente, o filme procura mostrar os traços de uma cultura propícia à elaboração de uma ideologia nazi-fascista, como já o fizeram, antes, outras películas, das quais cito apenas o clássico de Ingmar Bergman, O ovo da serpente.
À parte as questões pedagógicas suscitadas pela história que só interessariam a pedagogos, o filme dirigido por Dennis Gansel traz inquietações de maior monta. A principal é mostrar que o nazismo não é um movimento de loucos desajustados ou jovens desocupados e baderneiros, mas um ideário com uma lógica sedutora e “coerente” com as necessidades daqueles que o subscrevem. Daí o seu perigo.
Se o nazismo fosse apenas mal, não seria uma ameaça tão poderosa – a maior fraqueza do Diabo é ser feio. O problema encontra-se, justamente, no contrário: o discurso nazista é um discurso de salvação para seres em situação de naufrágio; o incômodo problema é que o discurso final do professor Wenger, ensaiado para convencer os estudantes de que entraram num Titanic com um rombo no porão, arranca aplausos dos alunos no filme e – não duvido – algumas aprovações silenciosas nas plateias. O discurso simulado do professor parece extremamente real e pertinente – perigosamente real e pertinente! –, pois aponta as falhas da cultura burguesa e seu projeto de Modernidade e propõe um movimento de reforma, totalitário e opressor, como precisam ser as reformas na lógica da sociedade moderna.
A Onda inspirou-se em episódio real na vida de um professor na Califórnia, que realizou experiência semelhante, para observar a reação dos estudantes sob um movimento cujo lema era “Força pela disciplina, comunhão, ação e orgulho”. Se atentarmos para os valores que moveram os alunos reais como as personagens da ficção, notamos que são justamente aqueles que o projeto da Modernidade solapou: 1) o laissez faire do liberalismo econômico aboliu, em todas as esferas, as normas fixas de conduta – o capital é móvel e a lógica do mercado é indisciplinada; 2) a valorização do indivíduo e do espírito competitivo ainda ri das empreitadas coletivas, acusando o espírito cooperativo de “utópico”; 3) a sociedade de consumo e a cultura de massas apassivaram o homem contemporâneo, roubando-lhe as iniciativas de produção, ação e expressão, como bem o mostrou o sociólogo francês Edgar Morin, em análise de nossa época; e 4) diante da cultura de massas, o indivíduo, tão valorizado na abstração, encontra-se paradoxalmente inábil, sufocado, humanamente inferiorizado.
Diante disso, acusar o nazismo de “agente do Mal” contra nossa Ordem “benigna” é atitude, senão hipócrita, ao menos inócua. O filósofo Zygmunt Bauman já o demonstrou em diversos escritos: o nazismo é apenas o filho mais nervoso da Modernidade. Não é seu inimigo “real”, nem mesmo seu antípoda lógico. Todos somos potencialmente nazistas, pois o nazismo é um traço cultural da Modernidade – colateral e indesejável, mas ainda um traço cultural de nossa época.
Desse modo, só se pode combater o nazismo lutando contra nossa própria cultura egoísta, etnocêntrica, injusta e excludente. Qualquer outra postura seria cínica ou ingênua. E a ingenuidade – digam-no Gansel e Bergman, dentre outros – é o solo fértil sobre o qual viceja todo ideário fascista.

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